Um dia depois de o Tribunal Constitucional italiano ter determinado que a recusa de reconhecer legalmente as mães não biológicas nas certidões de nascimento de crianças concebidas por inseminação artificial é inconstitucional, numa decisão considerada histórica pelos defensores dos direitos LGBT, Salvini acusou os juízes de terem tomado "uma decisão partidária e tendenciosa, porque há muitos juristas que defendem exatamente o contrário".
"Considero que se trata de uma sentença política. Defendo a liberdade de amor, de afeto para todos, mas também o direito da criança a vir ao mundo tendo uma mãe e um pai", disse hoje Salvini à imprensa, à margem de um evento em Génova (norte), no que constitui mais um episódio de antagonismo entre o atual Governo de direita e extrema-direita, liderado por Giorgia Meloni, e o sistema de Justiça em Itália.
No acórdão proferido quinta-feira pela mais alta instância judicial do país, referente a um processo que lhe fora remetido por um tribunal da cidade de Lucca, na Toscânia (centro de Itália), relativo ao filho de um casal de mulheres lésbicas, ficou determinado que "é discriminatório não reconhecer ambas as mães", tanto a mulher que dá à luz como a sua parceira que também deseja ser mãe.
O tribunal considerou assim inconstitucional a regra que impedia a mãe não biológica de reconhecer legalmente os seus filhos nascidos em Itália através de técnicas de reprodução assistida no estrangeiro, que para muitos casais do mesmo sexo em Itália constitui a única possibilidade de terem filhos, uma vez que a legislação italiana limita o o a estas técnicas aos casais heterossexuais maiores de idade, casados ou em união de facto e com problemas de fertilidade.
A decisão, que põe fim à insegurança jurídica das mães lésbicas que recorreram à fertilização in vitro, constitui um revés para as políticas do Governo ultraconservador de Meloni, que tem tentado impor o modelo de «família tradicional».
Também na quinta-feira foi anunciado que o tribunal de menores da cidade italiana de Pesaro (centro) aprovou a adoção de uma criança nascida através de 'barriga de aluguer' nos Estados Unidos por um casal homossexual, sendo um deles o pai biológico, meses após a entrada em vigor da lei italiana que considera esta prática um "crime universal".
As uniões civis entre pessoas do mesmo sexo tornaram-se legais em Itália em 2016, mas a legislação sobre os direitos parentais dos casais do mesmo sexo continua a não ser clara e, em 2023, o ministro do Interior do atual Governo, Matteo Piantedosi, ordenou às câmaras municipais que deixassem de transcrever as certidões das crianças nascidas no estrangeiro através de procriação medicamente assistida.
Os procuradores de toda a Itália começaram então a contestar as certidões de nascimento de crianças nascidas no estrangeiro ou em Itália de pais do mesmo sexo, inclusivamente com efeitos retroativos, o que significava que as mães não biológicas corriam o risco de perder os seus direitos parentais em caso de morte ou separação do seu parceiro, entre muitos outros inconvenientes quotidianos, como não poderem levar o filho ao médico sem a autorização do outro progenitor.
O Tribunal Constitucional determinou então hoje que a recusa de reconhecer a mulher que assume a responsabilidade parental de um filho da sua companheira "não garante o interesse superior do menor" e viola vários artigos da Constituição, o que a líder do Partido Democrático (centro-esquerda), principal partido da oposição em Itália, Elly Schlein, ela própria assumidamente homossexual, considerou "uma pesada derrota política" para um governo ultraconservador.
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