"Atualmente há um grande movimento da istração do Júlio de Matos, que está nas mãos de São José, para que seja boicotado ao máximo o o dos doentes em situação de sem-abrigo ao Hospital Júlio de Matos", afirmou João Gama Marques, no âmbito de uma audição com deputados da Assembleia Municipal de Lisboa.
O psiquiatra foi ouvido na 6.ª Comissão Permanente - Direitos Humanos e Sociais, Cidadania e Transparência e Combate à Corrupção, por proposta da deputada do CDS-PP Margarida Neto, aprovada por unanimidade, a propósito de uma petição de moradores e comerciantes do Beato que exigem a revisão do plano municipal e das intervenções sociais da Câmara de Lisboa para pessoas em situação de sem-abrigo.
A trabalhar há quase 20 anos no Hospital Júlio de Matos, João Gama Marques acompanha pessoas em situação de sem-abrigo com perturbação psiquiátrica, inclusive integra, quinzenalmente, as visitas de rua da Equipa de Projeto do Plano Municipal para a Pessoa em Situação de Sem-Abrigo de Lisboa, dando continuidade ao legado do psiquiatra António Bento.
"No dia em que o doutor António Bento se reformou, os técnicos da consulta festejaram [...], festejaram porque estavam convencidos que iam deixar de aparecer pessoas feias, porcas e más à porta da consulta. Isso não aconteceu, porque eu continuo a fazer essa consulta", disse João Gama Marques, referindo-se às pessoas em situação de sem-abrigo, a quem o o a uma consulta no Hospital Júlio de Matos está "muito mais difícil".
Segundo relatou o psiquiatra, que se descreveu com o 'enfant terrible' do Júlio de Matos, "agora há todo um procedimento istrativo burocrático" para a realização de consultas, quando há doentes sem-abrigo que "muitas vezes" nem sabem o nome completo, nem têm cartão de cidadão, nem aporte.
"É claramente ilógico, absurdo, estarmos a criar mais obstáculos a uma população que só por si já tem tantas dificuldades", declarou, afirmando que "há um desinteresse total" da istração do Hospital Júlio de Matos por parte das pessoas em situação de sem-abrigo.
Aos deputados municipais, João Gama Marques contou que a istração hospitalar já o tentou expulsar "várias vezes", com processos disciplinares, e que foi amnistiado pelo Papa, "senão tinha sido suspenso do hospital e tinha perdido alguns 100 mil euros".
"Um dos motivos que os es hospitalares dão para o o não ser tão facilitado como no tempo do doutor António Bento é uma coisa que me envergonha imenso. Uma a disse-me assim: 'O professor Gama tem de se proteger, porque ver os sem-abrigo sem marcação e sem lista de espera está ao mesmo nível do que aconteceu no Hospital de Santa Maria com as gémeas brasileiras que vieram buscar aquele tratamento", disse o psiquiatra, numa alusão ao caso de suspeitas de favorecimento, que envolveu o filho do Presidente da República, Nuno Rebelo de Sousa.
"Nem que eu tivesse todos os 10.000 sem abrigo de Portugal ao meu cuidado, nós não gastaríamos 1/10 do que foi gasto por esse caso das gémeas que, graças às ligações políticas que são conhecidas, tiveram essa benesse. Eu sinto-me muito ofendido quando a istração do hospital me comparou com essas pessoas, quando a minha intenção é apenas diagnosticar, saber se o doente é esquizofrénico ou epilético, se tem um tumor na cabeça ou se é dependente de cocaína, se tem sífilis cerebral ou se tem malária", declarou.
Referindo que estes exames nos doentes sem-abrigo são baratos, João Gama Marques reforçou a importância de ter um diagnóstico correto do ponto de vista clínico e médico para, posteriormente, se pensar numa solução social adequada.
"A maior parte dos doentes não estão diagnosticados como deve ser, porque a psiquiatria parte do princípio que é tudo psiquiátrico e a neurologia, como eles são feios porcos e maus, não se interessa por eles e a medicina interna também não", salientou.
O médico psiquiatria disse ainda que tem sido acusado de fazer "safáris dos pobres" ao "angariar pobres para pôr no hospital" e de "fazer tortura aos doentes por mantê-los internados até conseguir um bilhete para voltarem para o país de origem", por considerar que "é muito melhor o tratamento no país de origem, onde têm família, a mesma língua, a mesma cultura, a mesma religião".
"Isto não tem nada a ver com xenofobia ou com racismo. Tem a ver com o prognóstico ser melhor", sustentou, referindo-se aos sem-abrigo estrangeiros em Portugal.
Leia Também: Mostra coletiva sobre camuflagem com obras de Warhol até Miguel Palma