"A independência de Moçambique abriu muitos caminhos para uma alteração qualitativa da vida das mulheres", disse à agência Lusa Teresa Cunha, que efetuou diversos estudos científicos neste país lusófono da África Austral.
Desde 2008, esta investigadora de Coimbra realizou estudos em diferentes regiões de Moçambique, incluindo "com mulheres deslocadas da guerra" na zona de Cabo Delgado, onde trabalhou "mais intensamente nos últimos anos".
"Temos ganhos de uma disputa intensa das mulheres e uma legislação de proteção dos seus direitos muito avançada", afirmou, mas lamentou que "muitas das promessas não foram cumpridas" em meio século de soberania política.
Com a luta de libertação do domínio colonial e depois com a independência, em 1975, as mulheres moçambicanas puderam "organizar-se e lutar pelos seus direitos de uma maneira mais decidida".
"Esse marco é muito importante para compreender o que se a hoje em Moçambique", sublinhou.
Para Teresa Cunha, porém, "muitas dessas conquistas não chegaram até às mulheres como deviam ter chegado", o que foi também dificultado "devido às situações de conflito armado".
Por outro lado, "a atual atmosfera política não está fácil", o que explica "um aumento dos homicídios e violência de todo o tipo contra as mulheres".
"Há um recrudescer da violência civil em que as mulheres são também protagonistas e sobretudo vítimas, em termos de segurança e liberdade", referiu.
Os 50 anos de independência de Moçambique face a Portugal, bem como das restantes antigas colónias africanas, "deviam fazer-nos refletir e descolonizar as nossas mentes", defendeu a professora da Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC), ao lembrar que "muitas mulheres ainda não beneficiaram desses ganhos".
Também Isabel Maria Casimiro, do Centro de Estudos Africanos da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, considerou que, "de uma maneira geral, a situação da mulher moçambicana melhorou", mas ressalvou que esses progressos não chegaram à maioria da população feminina.
Registaram-se avanços ao nível da legislação, "que estava toda ultraada", em áreas como a lei da família e a lei da violência doméstica contra a mulher, exemplificou.
"Chegámos a ter 50% de mulheres ministras e quase 40% de mulheres deputadas", num país onde a pobreza e o analfabetismo atinge sobretudo as que vivem no mundo rural.
Dos 65% de moçambicanos "abaixo da linha da pobreza, a maior parte é constituída por mulheres que estão no setor informal e não têm qualquer tipo de apoio", enfatizou a socióloga, filha de pais portugueses que, na década de 1950, se fixaram em Moçambique por serem opositores à ditadura de Salazar.
"Houve um grande o das mulheres à educação após a independência, mas temos ainda uma taxa de mortalidade infantil muito elevada", lamentou Isabel Casimiro.
A antiga deputada da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder desde 1975 do qual veio a afastar-se, disse que "é tudo muito paradoxal" no país, que tem um crescimento "baseado sobretudo no desenvolvimento extrativista", em detrimento do desenvolvimento humano.
Por seu lado, Catarina Caldeira Martins, professora da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC), especialista em feminismos pós-coloniais e decoloniais, considerou que "nestes 50 anos não houve em geral uma resolução dos problemas das mulheres" em Angola, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Moçambique.
"Houve uma concessão formal de direitos, incluindo os direitos sexuais e reprodutivos", defendeu.
Mesmo Cabo Verde, "o único desses países com uma democracia consolidada, não resolveu os problemas das mulheres", criticou a investigadora do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra.
Na luta de libertação, conduzida pelo Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), de Amílcar Cabral, "o movimento contava com a participação das mulheres em vários papéis", exemplificou.
"Com a independência, toda essa promessa se desmoronou", afirmou a docente da FLUC, que tem desenvolvido investigação em países africanos de língua portuguesa, além de outros do continente.
Nas ex-colónias africanas, "os homens reforçam o poder patriarcal", no contexto de "um prolongamento neocolonial" de relações económicas com as antigas potências colonizadoras, concluiu.
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