"Não acompanho aqueles que acham que quem votou no Chega se equivocou"

O antigo primeiro-ministro confessou que ficou duplamente "triste" com o resultado eleitoral, ao mesmo tempo que realçou que "devemos levar a sério" os votos dos eleitores do Chega.

José Sócrates

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Daniela Filipe
01/06/2025 22:21 ‧ há 2 dias por Daniela Filipe

Política

José Sócrates

O antigo primeiro-ministro, José Sócrates, itiu, este domingo, ter ficado "muito triste" na noite eleitoral de 18 de maio, não só pela queda aparatosa do Partido Socialista (PS), mas também pela ascensão do Chega. Reforçou, além disso, que "devemos levar a sério" estes eleitores, que "votaram num partido que é de extrema-direita, que tem implícito um apelo à violência política, à agressão, ao insulto, à boçalidade política e ao primarismo da política".

 

"Pensava que já estava livre das emoções das noites eleitorais, mas não estava. Fiquei muito triste naquela noite, não apenas com o declínio do PS, mas também com a vitória ou a expressão da votação na extrema-direita. O PS, naturalmente, tem de lidar com isso, e a forma de lidar com isso é responder a isso, fazendo aquilo que deve fazer, que é construir uma agenda política para voltar a ganhar a adesão e o interesse de algumas camadas de portugueses", introduziu, em entrevista à CNN Portugal.

O antigo secretário-geral do PS rejeitou colocar-se "na posição de analista político, nem de sociólogo", tampouco de, "no espaço público, vir dizer o que motivou ou não motivou os eleitores do Chega", mas confessou ser necessário "levar a sério o que fizeram".

"Votaram num partido que é de extrema-direita, que tem implícito um apelo à violência política, à agressão, ao insulto, à boçalidade política e ao primarismo da política. Foi nisso que os portugueses votaram. Não acompanho aqueles que acham que, de certa forma, quem votou no Chega se equivocou ou votou por um outro motivo que não seja as propostas e o discurso político do Chega", disse.

Sócrates foi mais longe, tendo apontado que "os partidos democráticos devem combatê-lo", uma vez que "todos aqueles que tentaram fazer alguma espécie de compreensão com a extrema-direita, ao longo do século XX, terminaram engolidos pela extrema-direita e a dar-lhe condições para fazer o que fez na Europa, em particular, com a ascensão do fascismo".

"Tenho visto o PS dizer que quer refletir mas, até ver, não vimos mais do que isso. É pouco dizer que quer refletir. Além disso, o PS não tem dito nada mais. É óbvio que um partido que joga hoje o jogo da política contemporânea tem de aliar o pensamento à ação. Isso tem de ser feito ao mesmo tempo que age. Há muito tempo que os partidos deixaram de fazer reflexões doutrinárias, mas acho que um debate se impõe", atirou.

Ressalvou, ainda assim, ser "mesquinho" que o PS "queira atirar a responsabilidade da derrota para Pedro Nuno Santos", o que caracterizou como "injusto" para o agora líder socialista.

"Se há responsabilidade, [é] anterior. No fundo, Pedro Nuno Santos veio para disputar umas eleições imediatamente e, depois, disputou umas eleições um ano a seguir", disse, considerando que o PS perdeu as eleições, em 2015, devido à sua prisão, e, em 2024, devido à operação Influencer, que visava António Costa, sobre a qual "nada" se sabe.

Agora, disse ter havido "uma terceira golpada judicial", motivada pelo facto de "o senhor procurador-geral, no meio da campanha, ter decidido abrir uma averiguação preventiva ao líder da oposição, de forma absolutamente injusta e com fundamento num outro processo que já tinha sido arquivado". 

José Sócrates deixou igualmente criticas ao ex-primeiro-ministro António Costa, que acusa de ter chegado ao Governo pela "porta dos fundos", numa referência a William Pitt, até hoje o mais novo primeiro-ministro de sempre no Reino Unido, que depois de muitos ataques pela falta de experiência respondeu: "Eu fui eleito pelo povo e nomeado pela rainha. Não cheguei aqui pela porta dos fundos".

"A extrema-direita nasceu e desenvolveu-se com o processo Marquês"

Na sua ótica, "o PS deve recuperar uma agenda política de modernização para o país, porque foi isso sempre que atraiu os diferentes setores da sociedade portuguesa".

"O PS é um grande partido popular; sempre foi um grande partido popular e irradiante. Quando me candidatei, tínhamos uma agenda modernizadora para o país. [...] Foi assim que fizemos o combate à burocracia, com o programa SIMPLEX, desenvolvemos as energias renováveis, criámos um dinamismo na tecnologia de informação que o país não tinha - o programa Magalhães é um símbolo disso -, fizemos mudanças na Segurança Social - fomos nós que criámos o Complemento Solidário para Idosos (CSI)", enumerou, tendo equacionado que, quiçá, o PS tinha "vergonha" de os projetos de investimento público estarem associados ao seu nome.

Isto porque, indicou, "no TGV e no aeroporto, o que o PS fez foi, de certa forma, adotar o discurso da Direita quanto ao investimento público", o que acabou por "deitar fora a identidade do PS enquanto partido que se afirmava pela sua vontade e ambição modernizadora para o país".

"Há uma coisa que espero que a Esquerda não faça: agora que o país votou à Direita, transformar-se numa Direita 2, querer copiar a Direita", alertou.

Apesar de não estar na esfera política "há mais de 12 anos", o antigo secretário-geral do PS argumentou que continua a ser usado como arma de arremesso por parte de alguns atores políticos, porque "a extrema-direita nasceu e desenvolveu-se com o processo Marquês".

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"Quando fui detido e preso, o comentador de serviço na CMTV sobre o processo Marquês era o líder da extrema-direita, que agora tem [60] deputados. Uma acusação de corrupção feita a um primeiro-ministro dá nisto. É claro que, ao fim de 10 anos, o sistema judicial não conseguiu provar nada, tiveram duas derrotas judiciais, e quer vingar-se, mas o que fizeram foi abrir caminho à extrema-direita. A extrema-direita tem-me como alvo achando que não tenho direitos nenhuns e os tribunais, pelos vistos, dão-lhe razão", lançou.

O antigo chefe do Governo disse ainda que "o PS vive dominado por esse silêncio" em relação a si, o que classificou como "muito triste".

"Estou a travar uma batalha solitária. Tenho bem consciência de que esta batalha é contra todos: política, sistema judicial e jornalismo. É assim que tenho vivido estes 10 anos. E também contra o PS", lamentou.

Ainda que tenha reconhecido haver um paralelismo com caso do presidente brasileiro, Lula da Silva, que cumpriu uma pena de prisão entretanto anulada no âmbito da Operação Lava Jato, Sócrates rejeitou candidatar-se à Presidência da República

"Tudo isto foi feito para me afastar da vida política. O processo Marquês é típico de Löffler, em todas as suas dimensões. [...] O objetivo era afastar-me da vida política e impedir-me de ser candidato a Presidente da República. Também não o pondero, [porque] não consigo ver na política uma arma para combater judicialmente", disse.

Sócrates confessou também que, neste sufrágio, não votaria no almirante Henrique Gouveia e Melo, no antigo presidente do Partido Social Democrata (PSD), Luís Marques Mendes, tampouco no socialista António José Seguro, mas sim em António Vitorino, "se fosse candidato".

O antigo primeiro-ministro argumentou, além disso, que o movimento de apoio a Gouveia e Melo ambiciona "um Presidente que não faça da intriga política ação política", numa crítica a Marcelo Rebelo de Sousa.

"Um Presidente da República não é um mero espectador, que vai fazendo intriga nos jornais para valorizar este, amanhã desvalorizar o outro. E foi nisto que transformámos a Presidência da República nestes últimos 10 anos. É triste, mas termina assim, com um personagem sem consequência", complementou. 

[Notícia atualizada às 23h31]

Leia Também: Ventura vê as próximas autárquicas como "prova de fogo" para o Chega

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