Leis, Chega e "ataques" para "rir": O que faria Gouveia e Melo em Belém?
O antigo Chefe do Estado-Maior da Armada Henrique Gouveia e Melo falou sobre o que esperar da sua intervenção como Presidente - caso seja eleito para o cargo - distanciou-se do apoio político do Chega e falou sobre as críticas acerca da sua falta de experiência política.

© Horacio Villalobos#Corbis/Corbis via Getty Images

Política
Gouveia e Melo
"Foi a possibilidade muito forte da nomeação de Trump a presidente", explicou em entrevista à CNN Portugal, descartando que o entretanto eleito presidente dos Estados Unidos fosse o "principal inimigo da Europa", mas reconhecendo que este traz "instabilidade, o que pode ser preocupante."
"Hoje não sabemos quem são os amigos e os não amigos. Vivemos uma situação preocupante, acho que posso dar um contributo", considerou.
O antigo Chefe do Estado-Maior da Armada foi também confrontando com a posição tomada quando assumiu o plano de vacinação da Covid-19, altura em que recusava um cargo político. "Mudou muita coisa. Nessa altura, estava no processo de vacinação e queria afastar a política do processo de vacinação. Entretanto, o mundo mudou muito", justificou, exemplificando com a guerra na Ucrânia e a instabilidade não só a nível internacional, como também interna.
"Senti, ao longo deste tempo, um apelo crescente da população, com quem ia ando na rua e outras situações, para que me candidatasse [...]. A minha decisão final aconteceu mais ou menos em setembro de 2024", confessou, rejeitando que fosse uma ideia que já lhe tivesse ado pela cabeça.
Já questionado sobre o tabu que manteve ao longo dos meses sobre a tomada de decisão, o militar rejeitou que tivesse "uma estratégia", mas apontou que, sem nomes em particular, precisou de perceber se tinha ou não apoios.
E o futuro?
Foi no sábado conhecido que Rui Rio é o mandatário da candidatura de Gouveia e Melo. Questionado sobre se um dos nomes que motivou a sua candidatura foi o do ex-presidente do Partido Social Democrata (entre 2018 e 2022), Gouveia e Melo respondeu que 'não'.
"Rui Rio foi uma pessoa que apareceu recentemente. Já o conhecia. Tenho uma grande iração por ele enquanto pessoa independente, com coragem, com capacidade negociar, mesmo quando estava na oposição. E tenho também alguma afinidade relativamente a objetivos em termos políticos. É um reformista, uma pessoa muito mais preocupada com a estratégia do que com a tática. Isso, de alguma forma, fez convergir-me com Rui Rio."
Já sobre temas em cima da mesa, como a reforma da justiça, Gouveia e Melo concordou que era preciso haver uma, assim como apontou que "todos os portugueses" concordam com o assunto. "A justiça é lenta, uma justiça que muitas vezes é um entrave à economia", classificou.
'Sobre' a política, Gouveia e Melo apontou ainda: "O segredo de justiça não existe em termos do que é a política. Acho que é negativo. Isso quebra a presunção de inocência, cria muitas vezes um ruído que é desnecessário à política e depois vem confirmar-se mais tarde que não há nada. São anos e anos em que se queimam as pessoas sem provas concretas. Tem de haver um cuidado maior com cuidado maior." Questionado especificamente sobre se o antigo primeiro-ministro José Sócrates era um desses exemplo, atirou: "José Sócrates não é um desses exemplos."
No âmbito da corrupção, Gouveia e Melo defendeu que pretendia ajudar no combate à corrupção usando a "magistratura de influência" para fazer perceber que esta é uma prioridade. "Os planos de corrupção e a política governativa do poder executivo é do Governo. O poder não se pode imiscuir. O Presidente pode é por e manter o foco no problema e criar pressão sobre o Executivo para que esse problema seja resolvido e que se encontrem soluções para esse problema", respondeu.
"Temos de nos adaptar aos cargos e às responsabilidades"
Gouveia e Melo foi também questionado sobre se iria - em caso de ser eleito Presidente da República - transportar a visão de disciplina de antigo militar para o cargo - o que pode criar receio de uma liderança autoritária.
"Temos de nos adaptar aos cargos que fazemos e às responsabilidades que temos em cada momento", considerou, dizendo que no seu ado cargo, e dentro do seu ramo, tinha que exigir a disciplina. "Na minha opinião, e depois ver-se-á o resultado final, o caso do Mondego é um caso que tinha uma gravidade elevada para a situação das Forças Armadas, não só da Marinha. Eu tinha a necessidade de agir. Não podia ficar de braços cruzados e fingir que não existia", justificou dando conta de que caso vá até Belém, irá agir conforme o cargo exige.
"Não é mais moderado. Eu sou moderado por natureza. Como Presidente, os poderes são outros, de natureza mais política, não são de natureza operativa", atirou.
Em princípio, não aceito que partidos políticos ou grupos organizados em apoiem em termos da minha candidatura
E quanto a 'linhas vermelhas'?
Questionado acerca de possíveis apoios, nomeadamente, vindos do Chega, Gouveia e Melo rejeitou esse cenário. "Em princípio, não aceito que partidos políticos ou grupos organizados em apoiem em termos da minha candidatura. Agora, todo o voto de todo o cidadão tem o mesmo valor [...]. O cidadão André Ventura fará o que achar bem, pode apoiar-me publicamente. Não posso impedir o cidadão André Ventura. Não permitirei que se junte às minhas comitivas", justificou.
Confrontando com o apoio de Rio, foi claro: "Rui Rio não é André Ventura. Rui Rio é uma pessoa que não está na política ativa neste momento. Situou-se ao centro, que é a minha área política. André Ventura situou-se num outro extremo do espetro político, com quem não tenho afinidade. Mas, se o povo o eleger e tiver condições para governar, terá de ser Governo como qualquer outro partido do espetro político."
Questionado sobre se, num cenário de governo minoritário, ainda assim, daria posse a Ventura, Gouveia e Melo considerou que este era "um se muito grande" e que seria analisado na altura que - e se - acontecer.
Extremismos não cabem, nem os de Esquerda, nem os de Direita
Rejeitando que partilhava o mesmo espaço político que Ventura e afirmando que também não partilhava "grande parte das ideias do Chega", Gouveia e Melo garantiu, na mesma entrevista, que no seu espaço político, "de consenso e moderação", "os extremismos não cabem, nem os de Esquerda, nem os de Direita."
O candidato presidencial itiu ainda dissolver o Parlamento face a "desenvolvimentos extraordinários" sobre o caso Spinumviva que afetem de forma grave a reputação do primeiro-ministro, Luís Montenegro, e distanciou-se de posições de Marcelo Rebelo de Sousa.
Noutros temas, Gouveia e Melo rejeitou a ideia de que o aumento da imigração estava relacionado com a criminalidade: "Não há provas disso, não concordo com isso [...]. Não vamos julgar outras comunidades por diferenças culturais. O que devemos julgar é se obedecem ou não à lei portuguesa, se cumprem co-requisitos cumpridos por todos os portugueses e não importamos extremismos culturais. A nossa cultura é de tolerância, não pode importar intolerância. Isso é que é uma linha portuguesa."
A política não é um clube fechado. Na democracia, a política está ível a qualquer cidadão
Gouveia e Melo defendeu também que a imigração deve ser regulada, até para não ferir o humanismo, e salientou que esta é importante. Reconhecendo que é uma "evidência" que houve desregulação na fiscalização, distanciou-se que esta fosse uma posição do Chega. "O Chega levanta o problema, mas não se pode apropriar dessa realidade", defendeu.
"Eutanásia é dos problemas mais complexos que me pode colocar"
De 'São Bento' para Belém, Gouveia e Melo já falou sobre o trabalho a fazer: "Se for Presidente, hei de promulgar todas as leis que respeitem não só a Constituição, como o processo constitucional."
Apontando que o "poder de veto só deve ser exercido em situações muito especiais" e confrontando sobre se a Eutanásia era um deles, atirou: "A Eutanásia é dos problemas mais complexos que me pode colocar. Sou pró-vida. Teria dificuldades em deixar ar uma lei que de alguma forma facilitasse o suicídio assistido ou Eutanásia, como quiserem chamar. No entanto, há condições-limites em que um ser humano pode ser submetido a uma tortura em vida. Onde está essa fronteira é difícil definir", afirmando, defendendo uma aposta em cuidados paliativos e outras medidas.
Quanto à Interrupção Voluntária da Gravidez, e a possibilidade de alargar o prazo para o procedimento, Gouveia e Melo disse que "o problema do aborto já está resolvido na sociedade portuguesa, não é tema, reabrir isso acho que não faz muito sentido."
Face à falta de experiência política - que não falta ao único adversário conhecido até agora, Luís Marques Mendes - o antigo militar apontou: "Alguns desses ataques dão-me vontade de rir [...]. Não menorizo o meu adversário, mas sim alguns dos argumentos. Dos últimos que ouvi é que podia ser um perigo para a democracia. Dá-me vontade de rir porque acho que não há perigo nenhum para a democracia. Por outro lado, há uma ideia de casta política que por um lado defende que o cidadão participe na democracia e vida pública, mas só um conjunto de cidadãos que fizeram um curso especial, que é o da política. A política não é um clube fechado. Na democracia, a política está ível a qualquer cidadão", defendeu.
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