"Não teria feito nada de diferente". Que disse ex-motorista de Cabrita?
Marco Pontes explicou que o carro que conduzia circulava na faixa da esquerda da autoestrada e à frente de outros dois da mesma comitiva, numa formação triangular, o que justificou com as regras estabelecidas pela segurança.

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atropelamento na A6
O caso, recorde-se, chegou a julgamento após ter ado pela fase de instrução, onde, na decisão, conhecida em outubro de 2023, o juiz Marcos Ramos decidiu levar a julgamento o antigo motorista.
Contudo, o mesmo juiz de instrução criminal decidiu não pronunciar o ex-ministro da istração Interna (MAI) Eduardo Cabrita, nem o seu então chefe da segurança, Nuno Dias.
Marco Pontes, o motorista do antigo ministro, é, assim, o único a ser julgado.
O caso remonta a 18 de junho de 2021, quando a viatura oficial em que seguia Eduardo Cabrita, conduzida por Marco Pontes, atropelou mortalmente Nuno Santos, de 43 anos, trabalhador de uma empresa que fazia a manutenção da A6, ao quilómetro 77,6 da via, no sentido Estremoz-Évora.
O Ministério Público acusou, no dia 3 de dezembro de 2021, Marco Pontes de homicídio por negligência, tendo, nesse mesmo dia, o então ministro da istração Interna apresentado a sua demissão do cargo.
Ex-motorista desconhece velocidade do carro no atropelamento na A6
Na primeira sessão do julgamento, ontem, o ex-motorista do então ministro da istração Interna disse não ter noção da velocidade a que seguia o carro.
E, quando questionado pela juíza Vanda Simões sobre a velocidade de 155 quilómetros por hora apurada por uma perícia, referiu que não tem a perceção de que ia a essa velocidade e que até "circulava devagar nas condições em que ia".
O arguido esclareceu o tribunal que ninguém lhe deu instruções sobre a velocidade do carro, onde seguia o então ministro da istração Interna Eduardo Cabrita, após uma deslocação a Portalegre, e que não tinha pressa para chegar a Lisboa.
A audiência de julgamento arrancou com uma declaração do advogado de defesa, António Samara, que salientou que o peão circulava de costas para o trânsito e que o condutor travou e buzinou, concluindo que "não houve tempo para o motorista evitar o embate, nem o peão o conseguiu evitar".
"Vejo o peão, travo e buzino"
Depois, questionado pela magistrada que está a julgar o caso, Marco Pontes descreveu a forma como ocorreu o acidente, salientando que foi surpreendido pela presença do peão "a meio da faixa" da esquerda da autoestrada, em que seguia.
"Vejo o peão, travo e buzino", mas "o peão, ao ouvir, vira-se e tenta ir para a sua esquerda, para a berma da autoestrada", mas depois, acaba por se dirigir "para o separador central e é quando se dá o embate", relatou.
Das milhares de comitivas em que participei como motorista, é esta a formação usada e são as indicações que nos dão
O antigo motorista explicou que o carro que conduzia circulava na faixa da esquerda da autoestrada e à frente de outros dois da mesma comitiva, numa formação triangular, o que justificou com as regras estabelecidas pela segurança.
"Das milhares de comitivas em que participei como motorista, é esta a formação usada e são as indicações que nos dão", sublinhou.
Questionado sobre se havia sinalização dos trabalhos na autoestrada, Marco Pontes respondeu que "os únicos sinais eram os que estavam acoplados na carrinha" de transporte dos trabalhadores.
"Vi a carrinha na altura do embate, naqueles milésimos de segundo", argumentou.
Já em relação ao trabalhador atropelado, o arguido disse que vestia "farda cinzenta, que estava suja", e itiu que pudesse ter "algumas faixas refletoras na roupa".
Marco Pontes, que deixou de ser motorista do Ministério da istração Interna em 2022, itiu que, olhando agora para o que aconteceu, "não teria feito nada de diferente para evitar o embate".
"Pensei logo que aquele acontecimento me tinha destruído a vida"
O único arguido do processo contou que, após o atropelamento, os elementos da segurança transportaram o ministro noutro veículo e que ele se manteve dentro do carro por estar "em choque e transtornado".
"Pensei logo que aquele acontecimento me tinha destruído a minha vida", confessou Marco Pontes, que tem, desde então, acompanhamento psicológico e psiquiátrico após lhe ter sido diagnosticado 'stress' pós-traumático.
Nesta sessão de julgamento, a mulher e as duas filhas prestaram declarações em tribunal sobre as consequências da morte do homem para a família.
No final da sessão, o advogado da família, José Joaquim Barros, revelou aos jornalistas que vai haver uma tentativa para um acordo entre a família do trabalhador que morreu e uma seguradora sobre o pedido de indemnização cível.
Advogados lamentam julgamento sem Eduardo Cabrita
O advogado da família do trabalhador que morreu atropelado na A6 insistiu ainda que Eduardo Cabrita também deveria estar a ser julgado, não apenas o seu ex-motorista.
Em declarações aos jornalistas no exterior do tribunal, José Joaquim Barros disse esperar que "se faça justiça", o que, "em primeiro lugar", implica a atribuição de uma compensação financeira para a viúva e as duas filhas do trabalhador.
Nuno Santos "morreu a trabalhar na autoestrada num ato não doloso, mas muito negligente da parte do carro ou do condutor e do senhor ministro, apesar de o senhor ministro não estar aqui a ser julgado agora", argumentou o advogado.
O defensor da família disse ter "muita pena" que Eduardo Cabrita não esteja sentado no banco dos réus e afiançou que fez "tudo o que era possível" para que tal acontecesse.
"Sendo o senhor ministro responsável pela deslocação de toda aquela comitiva, como aliás penso que ficou perfeitamente demonstrado, deveria juridicamente assumir a responsabilidade", insistiu, considerando que "a tese que venceu é patética", a de que o antigo governante "era só um ageiro" na viatura.
Eduardo Cabrita, argumentou, "não era só um ageiro naquela comitiva", porque era quem "determinava como é que a comitiva deveria andar".
José Joaquim Barros revelou também que o ex-ministro Eduardo Cabrita e o seu ex-chefe de segurança Nuno Dias vão ser ouvidos como testemunhas durante o julgamento.
O causídico defendeu a condenação de Marco Pontes e referiu ter pedido uma indemnização cível para a família que ronda os 400 mil euros.
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