"É essa noção que eu saio daqui. A minha delegação tomou uma posição, que vai fazer chegar à Comissão Europeia, [que é] de suspender o acordo com o Ruanda com efeitos imediatos", afirmou numa entrevista telefónica à agência Lusa, a partir de Kinshasa, onde se encontra desde quarta-feira.
Bruxelas e Kigali am um Memorando de Entendimento, em fevereiro de 2024, para assegurar um "fornecimento sustentável de matérias-primas" para a UE, em troca de financiamento para desenvolver as cadeias de fornecimento de minerais e as infraestruturas do Ruanda.
Este acordo faz parte do Global Gateway, o plano de parceria da UE no domínio das infraestruturas, no valor de 300 mil milhões de euros, e de uma série de acordos semelhantes com países ricos em minerais, incluindo a RDCongo, com o objetivo de reduzir a dependência da rival geoestratégica China.
Mais de 900 milhões de euros do montante do Global Gateway foram afetados ao Ruanda, descrito como um "ator importante" na extração mundial de tântalo e um produtor de estanho, tungsténio, ouro e nióbio e refere também o "potencial" do país para a extração de lítio - utilizado nas baterias dos carros elétricos - e de terras raras.
O eurodeputado português integrou uma delegação de dez eurodeputados que, entre 28 de maio e hoje, manteve os políticos com várias entidades, incluindo o Presidente da RDCongo, Felix Tshisekedi, missão da ONU (Monusco) e organizações não-governamentais.
"Foram três dias e meio intensos, muito intensos", salientou o eurodeputado, que disse ter ficado impressionado com a dimensão da tragédia humanitária que viu e dos relatos que ouviu.
"Estamos a falar numa dimensão em que nós temos cerca de 22 milhões de pessoas em necessidade, dos quais 6,4 milhões é o maior número de deslocados internos em África, [um país] onde 28 milhões de pessoas [estão] em situação de insegurança alimentar, incluindo 3,9 milhões de pessoas em situação de fome de emergência. Eu acho que não há nenhum sítio no mundo, neste momento, com estes valores", sublinhou.
Sérgio Humberto lamentou que o conflito na RDCongo "seja uma guerra esquecida" e acusou outros países de aproveitarem este conflito regional, que receia poder estender-se além fronteiras.
"A União Europeia tem que olhar para isto com outros olhos. Aliás, eu saio daqui com uma proposta que é, nós portugueses, e com a nossa história no contexto, nós temos que ter uma maior força na delegação da África [do Parlamento Europeu]", declarou.
"Nós temos que ter mais olhos para a África, não só apenas, também, para os países da lusofonia, mas também para este tipo de países", acrescentou.
Voltando ao papel da UE, Sérgio Humberto destacou a diferença relativamente à China ou Estados Unidos.
"A União Europeia investe cá muito dinheiro do ponto de vista humanitário. O maior parceiro comercial é a China e, temos que dizer isto, a União Europeia é confiável", vincou, considerando que a UE "não é como os Estados Unidos, ou a China, ou outros Estados, que estão cá, apenas a pensar só em retirar a riqueza ao país".
Sérgio Humberto receia que a retirada em breve da Monusco acentue a crise humanitária e de segurança, agravando uma situação para a qual faltam financiamentos que ajudem a enfrentá-la.
O eurodeputado defendeu que, como os Estados Unidos estão a cortar financiamento humanitário a nível mundial, a União Europeia "deve ocupar este espaço".
"A União Europeia viveu, durante algum tempo, debaixo do chapéu dos Estados Unidos. E temos uma grande oportunidade de sermos muito seletivos, objetivos, e de liderarmos, do ponto de vista diplomático, mas, sobretudo, humanitário, aquilo que [se] está a ar no mundo", adiantou.
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